quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Se o rádio não toca... (Parte 2)

Lá vou eu citar mais um baiano maluco e genial. Dessa vez peguei uma música de Tom Zé pra servir de referência para algumas coisas que são válidas serem escritas e espero que lidas também.
Ouvindo a música Identificação do Tom Zé, fiquei pensando como a nossa vida é regrada através dos números, somos todos classificados, catalogados. Não querem saber meu nome, perguntam-me o CPF. Num feriadão anunciam o número de acidentes, o número de mortos. Pouco importa quem morreu, tudo acaba virando estatísticas. “E eu o que faço com esses números?”, cantaria Humberto Gessinger.
Classifica-se o melhor aluno pela nota, o melhor carro pelo preço. Essa mania de querer quantificar tudo, de querer analisar uma pessoa através de números, de impor para todos o que é o melhor, o que é o mais bonito.
A música de Tom Zé enfatiza de forma crítica e ao mesmo tempo satírica um pouco disso que eu falei. Ele coloca através de números suas emoções, as coisas boas e ruins que acontecem ou que ele tem que engolir de alguma forma e no seu dia a dia.

“Títulos protestados, 7
Impulsos de medo, 1.106
Sintomas neuróticos, 36
Horas semanais de catequização pela TV, 16
(...)
Impulsos de amor, de amor, 3
Propaganda consumida, 1.106
Alegrias, alegriazinhas espontâneas, 2
Idas ao banheiro para atividades diversas, 36”

            A música critica também o estresse generalizado, o medo do que se vê na TV, do que ocorre na rua, no trânsito. Neurose por tudo. Está se tornando algo normal ser estressado. O que me chama atenção é que às vezes parece haver competição em torno disso, “Ah, mas o meu trabalho é muito pior.”, “Os meus problemas são bem maiores.”. Estão querendo medir até estresse! Por quê?! Será que a tranquilidade é algo inalcansável?! Será que existe ainda tranqüilidade? E a felicidade? Cada vez mais nos vendem felicidade, nos fazem engolir inúmeras propagandas, nos mostram que felicidade é correr ao ar livre por um gramado num dia de sol com a família, usando qualquer merda que eles queiram vender. Eu quero minhas alegriazinhas espontâneas, por menos que sejam, mas que são muito mais sinceras que qualquer outro tipo de felicidade comercial. Quero saber separar o que me faz bem e o que me faz mal. Quero ter um tempo pra mim, pra sossegar, refletir, se desligar de tudo, é importante pra alma e pra mente.
            Mas voltando pra música, Tom Zé relata que o tempo previsto de vida para um cidadão seria 600 mil horas de vida e a partir daí ele vai destacando problemas comuns em nosso dia a dia como o “consumo de alimentos envenenados, refrigerantes, remédios e enlatados”, o “desgosto que se padece naquela fila do INSS”, além de todos os desejos não correspondidos e todos os medos freqüentes. E a cada vez que ele descreve um desses problemas ele fecha a frase com “1125 horas”, que seria um abatimento dessas 600 mil horas de vida. E deixo então o Tom Zé finalizar esse texto com o que restou da música:

Abate aqui
Abate ali
Abate isto
Abate aquilo
E jaz pela cidade
Um zumbi sem sepultura
Classificado, numerado
É o cidadão bem comportado”

            Demais a música! Confere aí:

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